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Só uma lembrança

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Mensagem por Admin Seg Abr 11, 2011 10:07 am



Elianne Parent escuta com atenção a mãe, Jocelyne, contar uma história sobre a viagem que fizeram há quatro anos. Viajavam num carro velho rumo a uma aldeia de Mali, e Elianne, que ainda não fizera 18 anos, se irritou de ser levada naquele carro lento.

“Seria mais fácil correr o restante do caminho”, disse ela. Com isso, desceu do carro e saiu pelo terreno pedregoso. Alta, de pernas compridas, ombros largos e cabelo longo e castanho, ela corria pelo limite da aldeia ao ser avistada por crianças pastoras. “É uma gazela!”, gritaram.

“Era eu”, diz ela, refletindo. Mas é mais uma afirmativa do que uma lembrança. Por mais que tente, ela simplesmente não consegue se lembrar. Em maio de 2007, um acidente de carro quase fatal, ao norte de Montreal, no Canadá, lhe apagou a memória. Em certo sentido, a antiga Elianne, a garotinha que andava atrás do irmão mais velho por toda parte, a adolescente que disse ao professor de francês que a gramática dele estava errada, a ciclista que venceu os morros íngremes perto da sua casa em Val-David, na província de Québec, não existe mais. Agora ela tem “recordações” da antiga vida que são tão imaginadas quanto reais – entrar na sala de aula carregando livros, a imagem de um antigo namorado... – e nem sempre percebe a diferença. O único passado de que tem certeza está nas histórias que os outros lhe contam.

Dois dias depois do 18º aniversário de Elianne, ela andava de carro quando foi atingida por um motorista bêbado. Enquanto era levada às pressas para um centro de traumatologia de Montreal, dois policiais de Québec acordaram os seus pais em Val-David para dar a notícia.

Jocelyne e o parceiro Gilbert Dionne fizeram em silêncio a viagem de uma hora até Montreal. Gilbert mantinha os olhos fixos na estrada e segurava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Jocelyne mal conseguia respirar.

No hospital, souberam como era grave o estado da filha: Elianne fora avaliada na Escala de Coma Glasgow, usada para determinar a gravidade das lesões cerebrais, e a sua pontuação era a mais baixa possível. Ou seja, ela não reagira a qualquer estímulo. Nas semanas seguintes, cercada de médicos e aparelhos, a moça sobreviveu a dois infartos, uma infecção pulmonar e enormes hematomas no braço esquerdo e na perna direita, que tiveram de ser drenados. Mal os médicos resolviam uma crise, outra aparecia. Elianne se mostrou tão teimosa que, na unidade de tratamento intensivo, recebeu o apelido de la petite maudite, ou “a diabinha”.

O seu despertar aconteceu em estágios no decorrer de seis semanas. Primeiro, houve um tremor na pálpebra. Depois, abriu os olhos ao ouvir a voz do pai. Em seguida, fez sons: a princípio eram balbucios, depois lembrava um bebê louco para transmitir a sua mensagem. “Estou com fome, estou com fome, estou com fome.”

Logo ficou claro que não reconhecia os pais. Os médicos disseram a Jocelyne e Gilbert que a lesão no lado direito do cérebro de Elianne apagara a sua memória. E Elianne teve de reaprender tudo, desde sentar-se na cama a comer sozinha. Com repetição e exposição constantes – “Sou a sua mãe”, “Este é o seu pai” –, ela foi reapresentada a eles.

Em setembro de 2007, foi transferida para uma clínica de reabilitação, onde, durante nove meses, recebeu tratamento intensivo, com fisioterapia, terapia ocupacional e sessões de fonoaudiologia. Em junho de 2008, voltou para casa, onde continuou a terapia e reaprendeu a habilidade motora necessária para escrever. A moça que desafiara as probabilidades ao simplesmente se manter viva logo andava, às vezes sem bengala. Afinal, com a ajuda do ex-treinador de mountain bike, subiu numa bicicleta ergométrica e começou a pedalar como se tivesse nascido sabendo. “É como se o meu corpo tivesse lembranças, mesmo que eu não tenha”, diz ela.

Mas, embora o corpo tivesse lembranças profundamente arraigadas nos ossos e músculos, o cérebro não tinha nenhuma. Elianne passava o dia com a ajuda de bilhetinhos espalhados pela casa dos pais, com lembretes de coisas básicas: onde ficava o quarto, qual a gaveta das meias, instruções passo a passo para fazer café e torradas. Na maior parte do tempo, era feliz, sem saber o que perdera. Mas Jocelyne sabia e vivia procurando novas maneiras de ajudar a filha a ter mais controle sobre a própria vida.

Num belo dia, no outono de 2008, Jocelyne e Elianne passeavam pela rua principal de Val-David quando se encontraram com a professora do primeiro ano de Elianne. “Ouvi falar de um pesquisador na Université Laval”, disse a professora. “Vocês precisam ligar para ele.”

O nome do cientista era Cyril Schneider, neurofisiologista que encabeçava uma equipe de pesquisa cerebral em conjunto com Joël Macoir. Jocelyne escreveu a Schneider em Québec e a resposta foi rápida. Ele descreveu o trabalho da equipe com a “estimulação magnética transcraniana” (EMT): pulsos magnéticos usados para estimular ou acalmar a atividade cerebral, dependendo da meta da terapia.

Embora já usasse EMT nos pacientes havia vários anos, os problemas que tratara tendiam a ser transtornos motores e afasia, ou seja, perda da capacidade de falar ou de entender a fala, associada a lesões do hemisfério esquerdo do cérebro. Cuidar de Elianne, cuja lesão ficava no lado direito, seria um desafio interessante. Os estudos indicam que o hemisfério direito é responsável pelo acesso às lembranças codificadas e armazenadas no cérebro. E se Elianne ainda arquivasse lembranças e simplesmente não conseguisse acessá-las?

Não há como regenerar neurônios já mortos, mas e se conseguíssemos fazer os outros trabalharem mais e com maior eficiência?, perguntou-se Schneider. Talvez Elianne mostrasse ao mundo que, mesmo anos depois de uma lesão cerebral, é possível melhorar a qualidade de vida.

O plano inicial de tratamento de Elianne era de uma sessão por semana durante dez semanas, e cada sessão de EMT durava dez minutos. Os pulsos magnéticos eram indolores e intermitentes, transmitidos ao cérebro por um estimulador rápido e enviados ao córtex pré-frontal da jovem por uma bobina que Schneider segurava sobre o seu crânio. Depois de cada sessão, mostravam a Elianne uma lista de 16 palavras, quatro de cada vez, em categorias bem diferentes – como sardinha, abricó, cobre e clarineta –, e pediam que as decorasse.

Elianne começou o tratamento com EMT em maio de 2009, e Jocelyne a levava à cidade de Québec e a trazia de volta. A princípio, não houve mudanças na memória dela. Assim que saía do laboratório, não conseguia recordar o que acontecera lá dentro nem quem lá estava, muito menos recitar a lista de palavras que deveria ter decorado.

Jocelyne sabia que não devia esperar milagres, mas mesmo assim era desencorajador. “Leva tempo”, explicou Schneider. “Com o cérebro, a gente nunca sabe.”

Um mês se passou sem mudanças. Então, certo dia, na volta para casa depois de uma sessão, dessa vez com Gilbert ao volante, Jocelyne jogava sudoku no banco de trás quando, de repente, Elianne começou a falar. “Houve um exame”, disse. “Houve palavras. Tive de repeti-las.” E ela as repetiu.

Dezoito meses depois de começar o tratamento com EMT, Elianne já não é mais a moça que, ao acordar do coma, não se lembrava nem dos pais.

“É claro que eu queria ter uma vida perfeita como todo mundo”, diz ela, “mas sonho em ser feliz e talvez algum dia ter um namorado que me ame. E filhos. Muitos sonhos meus talvez não se realizem. Mas agora o meu sonho é me dedicar à reabilitação.”

Jocelyne observa que, no fim do programa inicial de dez semanas de EMT, Elianne se recordava de 80% a 100% das palavras, dependendo do grau de cansaço. Agora as sessões são menos frequentes, mas, assim como a memória de Elianne, as fronteiras da sua vida em casa também se expandiram. Ela não precisa mais dos lembretes. Em vez disso, escreve o que não quer esquecer numa agenda e se lembra de consultá-la.

Mas ainda há obstáculos a superar. Ela se sente confusa em lugares que não conhece e ainda não consegue identificar certas coisas. Chama morango de ameixa, por exemplo, e cachorro de gato. Mas, cada vez mais, há recordações da antiga Elianne esperta e petulante, como na vez em que confundiu uma torta de maçã com a pizza que a mãe, que saía para uma reunião, lhe disse que deixara na geladeira para o jantar.

– Isso não é pizza – disse Jocelyne ao chegar em casa e encontrar a filha comendo na mesa da cozinha. – É torta de maçã.

Na mesma hora, Elianne rapidamente respondeu:
– Ora, prefiro torta de maçã.

Fonte: Revista Seleções

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