'A gente vira criança', diz, aos 100, idosa que voltou a escola e é membro da CCB

Isolina Mendes Campos fez aniversário no último dia 25, com festa. Ela frequenta aulas em uma turma de educação para adultos.

Vinícius Sgarbe
Do G1 PR

Às 5h da manhã deste domingo (29) a mineira Isolina Mendes Campos levantou, em Londrina, no Norte do Paraná. Acorda bem cedo todos os dias, mas hoje estava rouca, resfriada. A semana passada foi agitada para ela, muitas homenagens. Não é todo dia 25 de maio que se tem uma festa de aniversário de cem anos para mais de 300 pessoas. Quando o G1 perguntou se podia entrevistá-la, respondeu: “O senhor veio na minha festa?”. Mas o assunto era outro: a volta dela para a escola.

“Quando a gente nasce, a idade começa a contar para frente. Mas tem uma hora que começa a contar para trás e a gente vira criança de novo”. Fala da recente volta para a escola. Há cerca de dois meses Isolina frequenta aulas noturnas de uma turma de educação para adultos. Os colegas têm mais de 45 anos.

Ela diz que fez muito amigos e colegas e que, quando falta, eles mandam chamar. Sobre a professora, diz “gosto demais. No dia da festa ela apareceu. Estava tão alegre que só vendo”.

Se o assunto é o gosto tem pelas matérias, “não conheço letra nenhuma, não conheço nada”. E termina: “O senhor não repare eu não poder conversar direito, por causa da voz rouca”.

Família
Isolina mora com o filho e a nora em uma casa do Conjunto Mariano. Tem costume de limpeza e, sem suportar louça na pia, ainda é pega fazendo tarefas domésticas. "Se deixar, ela lava roupa", entrega a família.

Três vezes por semana ela se arruma para ir à igreja.

Uma senhora estudante

Dona Isolina faz 100 anos e não se cansa de aprender. É a veterana da turma que frequenta as aulas noturnas em escola da zona norte

Por Aurélio Cardoso

Apesar da idade, as mãos de Isolina Mendes Campos continuam firmes, assim como o propósito de ultrapassar os 100 anos - que completa amanhã -, aprendendo. Com essa idade, dona Isolina é a estudante mais velha da Educação de Jovens e Adultos de Londrina, frequentando as aulas noturnas da Escola Municipal Moacyr Camargo Martins, no Conjunto Parigot de Souza (na zona Norte), das 19 às 21h45.

Quase 20 alunos, com idades a partir de 45 anos, dividem com Isolina a atenção da professora Selma Geraldino. E a senhora de idade avançada resolveu frequentar as aulas há 13 anos não apenas para aprender mais, pois nunca tinha estudado. Na sala, dona Isolina está sempre atenta ao que acontece, coisa que faz parte do seu cotidiano. “Teve uma época que parei de ir para a escola, mas deu saudade, não gosto de ficar sem fazer nada e voltei logo. Eu não aprendo muito, mas ficar em casa sem fazer nada à noite não é comigo”, conta.

A diretora da escola lembra que os mais novos sempre querem saber da ‘vovó’, de como ela consegue fôlego para seguir estudando, um exemplo de vida para todos, entre professores, funcionários e estudantes. “Os meninos queriam saber se ela tem uma letra bonita, se tem a mão firme ainda e se consegue aprender tudo. Conto a eles que ela não foi alfabetizada e que o mais importante é se dispor a aprender, e ter vontade de vir para a sala de aula como os demais, apesar de ter quase 100 anos de idade”, afirma Regina Pierotti. “Eu escrevo, mas não conheço direito as letras”, ironiza a ‘vovó’.

O filho Raimundo, 62 anos, é quem cuida da mãe e divide com ela a casa no Conjunto Ilda Mandarino. Ele afirma que a escola se transformou na terapia da mãe idosa. “Desde que começou na escola, virou a terapia dela. A mãe não gosta de ficar parada; gosta é de passear, viajar, conversar com as pessoas e escola foi uma boa oportunidade. Mesmo que aprenda pouco, sempre é um ganho na idade dela.”

Rapadura
Dona Isolina nasceu em Felicina, Minas Gerais, e ainda nova foi morar em Braúna, no interior paulista, onde o pai era agricultor, trabalhando em plantações de cana-de-açúcar. Lá, ela passou anos, junto com os irmãos, fazendo rapadura e tinha que desviar a atenção do pai, que não permitia as fugas para que namorasse.

“Meu pai não queria os meninos perto da gente. Fui namorar um pouco quando já tinha 16 anos e casar, só com 24 (com Francisco, falecido há 43 anos). A gente fazia rapadura todo dia, isso durou quase 10 anos da minha vida. E também cuidava da horta, sempre gostei”, contou a mineira, que no último domingo ganhou uma grande festa, com quase 300 convidados, proporcionada por parentes e o pessoal da Igreja Congregação Cristã do Brasil, onde frequenta os cultos três vezes por semana.

Para chegar disposta aos 100 anos, dona Isolina acorda cedo, põe água para ferver para o café e algo na panela de pressão para cozinhar. Também não gosta de ver a pia com louça suja. “Se deixar, ela lava até a roupa. E nas casas que vai visitar, se vacilar, é ela que vai para o fogão”, conta a filha Celita, 60 anos, que veio de Minas para o aniversário.

“Meu médico disse que eu devia parar de comer fritura, mas adoro um bife com feijão e arroz. Mas também como muita salada e verdura. E até hoje ainda faço os meus doces”, finalizou a ‘vovó’.