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Os pecados e as tristezas da cidade (Thomas Guthrie 1803-1873)

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Os pecados e as tristezas da cidade (Thomas Guthrie  1803-1873) Empty Os pecados e as tristezas da cidade (Thomas Guthrie 1803-1873)

Mensagem por Admin Sáb Jul 25, 2015 12:07 pm



Os pecados e as tristezas da cidade
Sermão de Thomas Guthrie

"Vendo [Jesus] a cidade, chorou sobre ela." (Lc 19:41, ARC, Pt)

Há um fenómeno notável a ser visto em certas regiões da nossa costa. Estranho dizer, ele prova, a despeito de expressões como terra estável e sólida, que não é a terra mas o mar que é o elemento estável. Num dia de Verão quando não há onda nem vento brando para entufar a vela ou refrescar um rosto, lanças o barco ao mar. Indo além da marca mais baixa da maré, deitas-te à toa na proa para surpreender o olhar prateado do peixe que passa, ou para ficar vendo os movimentos de muitas  criaturas curiosas que passam pela margem arenosa do mar, ou, rastejando-se para fora das tocas nas pedras, vagueiam nos seus labirintos complicados. Se o viajante fica surpreso por achar uma concha do alto-mar incrustada nos mármores do pico de uma montanha, quanto mais ficarás admirado por veres debaixo de ti uma vegetação estranha ao ambiente do fundo do mar! Debaixo do barco, submerso a muitos metros abaixo da superfície da maré mais baixa, nas grandes profundezas verdes e cristalinas, não vês qualquer âncora enferrujada, nem restos mortais de algum náufrago desfeitos em pó, mas nos tocos erectos das árvores descobres os vestígios de uma floresta reduzidos a pó, onde outrora gatos selvagens rondavam e pássaros do céu cantando, faziam ninhos e alimentavam filhotes. Em contraste aos trechos da nossa costa onde cavernas encavadas no mar, com lados polidos pelas ondas e o solo ainda polvilhado de conchas e areia, agora estão no alto, acima do nível das marés de correntes mais fortes, ali jazem essas árvores mortas apodrecendo nas profundezas. Fenómeno estranho, que não admite outra explicação senão esta: que o contorno da costa afundou-se para baixo do seu antigo nível.

Muitas das nossas cidades apresentam fenómenos tão melancólicos aos olhos do filantropo, assim quanto outro fenómeno é interessante para o filósofo ou o para geólogo. Nos aspectos económicos, educacionais, morais e religiosos, certas partes desta cidade sustentam a evidência palpável de uma correspondente precipitação. Não uma única casa, ou um bloco de casas, mas ruas inteiras, antigamente de ponta a ponta, os domicílios da decência, indústria, riqueza, posição social e prática religiosa, foram engolfadas. Uma enxurrada de ignorância, miséria e pecado irrompe e ruge acima do topo das suas moradias mais altas. Nem os velhos tocos de uma floresta, ainda erectos debaixo das ondas do mar, indicam uma mudança maior, uma precipitação mais profunda que as relíquias da antiga grandeza e os memoriais comoventes da prática religiosa, que ainda permanecem em volta dessas habitações miseráveis como o crepúsculo nocturno nas colinas — como os vestígios de beleza de um cadáver. São cenas tristes o chão despido, as paredes enegrecidas e nuas. a atmosfera abafada e repugnante, a janela remendada e empoeirada pela qual um raio de Sol, como a esperança, debilmente surrupia às crianças maltrapilhas, mortas de fome e de rostos tristes, o rufião, o montão de palha onde alguma mãe miserável, murmurando sonhos, cura-se dormindo da devassidão da noite passada, ou se deita sem mortalha e sem ataúde na cadaverização de uma morte desesperada. Frequentemente olhamos para eles. E parecem profundamente tristes pelos divertimentos agitados e pela ilusão.

Empolgados por vestígios de um afresco que ainda se mostra do gesso sujo e quebrado, o mármore volumoso que se eleva acima da pedra de lareira fria e rachada, uma cornija elaboradamente entalhada no alto para tiritar de frio a fim de ser posta no chão para servir de lenha, algumas flores ou frutos de estuque ainda pendentes do tecto esmigalhado, a imaginação, despertada por estas coisas, evoca as cenas e actores de outros dias — quando a beleza, a elegância e a moda adornavam estes saguões solitários, copiosamente enegrecidos pela fuligem sobre tábuas gementes, e onde estas poucas brasas, juntadas do montão de pó da cidade, são fogueiras pouco hospitaleiras que debilmente ardem sem chama e rugem pela chaminé.

Mas aqui e ali essas casas dão testemunho de uma precipitação mais profunda, uma mudança ainda mais triste. Determinado por alguma missão de misericórdia, colocas-te ao pé de uma escada úmida e imunda. Esta conduz-te aos quartos abarrotados de uma moradia, onde —com a excepção de alguma velha viúva decente que viveu dias melhores, tendo toda a família morrido e os amigos ido embora, ainda se agarra a Deus e à fé nos momentos negros da adversidade — entre o naufrágio da fortuna desde os recantos da adega em baixo até aos sótãos debaixo da cumeeira do telhado, não encontrarás ninguém lendo a Bíblia ou mesmo com uma Bíblia para ler. Ai! De oração, de salmos matutinos e vespertinos, de paz terrena ou divina, pode-se dizer que o lugar que outrora os conhecia não os conhece mais. Porém, antes de tu ali entrares, levanta os olhos para a pedra que está acima da entrada. Emudece, fala de outros e melhores tempos. Esculpido em grego ou latim, ou na nossa língua mãe, decifras textos como estes: "Paz seja nesta casa" (Lc 10.5); "Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que edificam" (Si 127.1); "Temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus'' (2 Co 5.1); "Temei a Deus" (1Pe 2.17); ou este: "Ama o teu próximo". Como os restos reduzidos a pó de uma floresta que antigamente ressoava com a melodia dos pássaros, mas hoje não se ouve nada excepto a arremetida bravia ou o gemido melancólico do quebrar das ondas, estes vestígios da prática religiosa fornecem um padrão que nos permite medir o quanto se afundou o estrato da sociedade nestas localidades sombrias.

Agora há forças na natureza que, levantando a crosta de nossa terra, podem converter o fundo do mar outra vez em floresta ou em terra cultiváveis.

Neste momento estas forças estão em operação activa. Trabalhando lentamente, contudo, com poder prodigioso, estão levantando as costas da Suécia, no Velho Mundo, e do Chile, no Novo. E quem sabe se estas agências subterrâneas, levantando as nossas costas, ainda restabeleçam a vegetação a essas areias do fundo do mar e devolvam ao arado o seu solo, ao pinheiro balouçante a terra florestal. E assim nas nossas orlas, redimidas da compressão do oceano em alguma era futura, colheitas maduras caiam ao cântico dos ceifeiros e florestas densas tombem pelo machado do lenhador.

Não sabemos se isto acontecerá. Mas sei que há uma força em atuação neste mundo — leve, no entanto poderosa — comumente lenta em ação, mas sempre certa nos seus resultados, a qual, mais energética que lavas vulcânicas, os vapores comprimidos ou os terramotos oscilantes, é adequado para levantar as massas mais afundadas da sociedade e restabelecer os mais baixos e os mais longos distritos abandonados de nossas cidades ao nível anterior, para colocá-los na plataforma emparelhada de um cristianismo mais elevado.

Não podemos desesperar-nos, contanto que não nos esqueçamos de que o poder de Deus, a sabedoria de Deus e a graça de Deus não têm nada a fazer dentro das nossas orlas que já não tenham feito antes. As nossas classes caídas são rudes e incultas, ignorantes e malignas? O mesmo eram os nossos antepassados quando o Cristianismo aportou nesta ilha. Ele tomou posse dela em nome de Jesus e conquistou selvagens corajosos, a quem os Romanos nunca puderam subjugar, pelo poder suave, contudo poderoso, do Evangelho. “A mão do Senhor não está encolhida, para que não possa salvar; nem o Seu ouvido, agravado, para não poder ouvir" (Is 59:1). Pouco importando o tempo que leve para evangelizar as massas da nossa cidade, por mais que vivamos antes do período em que "uma nação nascerá num dia", toda a prova de paciência que tenhamos de suportar, toda a lágrima que tenhamos de derramar pelas nossas cidades, as nossas lágrimas não são como as que Jesus chorou quando viu Jerusalém.

Não. Jerusalém foi selada para a ruína, sentenciada além de redenção. Os nossos irmãos e as nossas cidades não o foram. Não precisamos de chorar como aqueles que não têm esperança. Assim como num dia de Verão vi o céu subitamente tão brilhante e a chuva com cada pingo sendo mudado pelos raios do Sol num diamante incandescente, assim as esperanças se sobrepõem aos medos, e as promessas do Evangelho derramam a luz do Sol sobre as tristezas piedosas. Podemos chorar; devemos chorar — choramos e trabalhamos, choramos e oramos. Mas que as nossas lágrimas sejam sempre como as que Jesus derramou ao lado do sepulcro de Lázaro. Ele, enquanto chorava, ordenou aos espectadores que tirassem a pedra, e ao Seu comando o túmulo entrega o seu morto, que havia quatro dias ali fora sepultado. Tais sejam as nossas lágrimas. Sustentados por elas, todos trabalharemos muito melhor; e dentro de bem pouco tempo o nosso Pai celeste abraçará o mais miserável desses pobres miseráveis.

Dirigimos a tua atenção para a extensão da intemperança; cuidemos, em segundo lugar, dos efeitos deste vício.

Os espartanos, povo valente e, ainda que pagão, virtuoso em muitos aspectos, mantinham a mais profunda aversão à intemperança. Quando pais cristãos iniciam os filhos no vício da bebida, e — como vimos e ficamos espantados — os ensinam a levar o copo aos lábios infantis, copie quem possa, os antigos e sábios espartanos não são o vosso modelo. Eles não eram mais meticulosos em treinar a mocidade do seu país nos exercícios atléticos, e desde a meninice e quase desde os seios maternos a "sofrer as aflições como bons soldados" de Esparta, do que a criá-los nos hábitos da mais rígida e mais severa temperança. Formavam uma divisão regular da sua educação nacional. Por que não deveria ser da nossa? Seria uma bênção incalculável para a comunidade. Faria incontavelmente mais em promover o conforto nacional, a guardar o bem-estar das famílias e a garantir o bem público, de que outras divisões que, ainda que melhorem o paladar e sirvam de aprimoramento à mente, não dão a verdadeira força e poder ao homem.

Uma vez por ano esses gregos reuniam os escravos, e havendo-os compelido a beber até ficarem bêbados, eram lançados —todos sentindo vertigens, cambaleando, embriagados, brutalizados— numa grande arena, para que os jovens que enchiam as arquibancadas quando fossem para casa depois deste espetáculo de degradação evitassem a taça de vinho e cultivassem as virtudes da sobriedade. Terra sumamente feliz, onde a embriaguez era vista apenas uma vez por ano, e formava somente um espetáculo anual. Ai de nós! Não temos necessidade de empregar tais meios injustificáveis mesmo para propósito tão bom! Não exigimos que se organize algum espetáculo anual para contar ao púlpito, ou para representar no palco de algum teatro os seus efeitos malditos, pavorosos e asquerosos. O leão está assolando diariamente as nossas ruas. Ele continua "buscando a quem possa tragar".

De facto, uma vez por ano, quando os pátios da igreja ficam cheios, a nossa cidade pode apresentar um espetáculo que os tolos consideram com indiferença, mas os sábios com piedade e temor. Um homem pálido e desfigurado, portando o título de "reverendo", está no cancelo da sua igreja.

Não ousando olhar para cima, ele curva-se com a cabeça enterrada nas mãos, rubor nas faces, lábios trementes e um inferno vociferando e queimando dentro de si, enquanto pensa numa casa, onde uma esposa com o coração partido e os pequeninos que dentro em pouco deixam aquela casa querida e doce para abrigar as cabeças inocentes onde melhor for, todos empobrecidos e desgraçados. "Ah, meu irmão", aqui! E: "Ah, meus irmãos", ali, aprendei: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação" (Mt 26.41).

Veja o motivo de ansiedade de uma mãe e a labuta abnegada e parcimoniosa de um pai em educar o menino promissor e estudioso. Nesta escuridão profunda fixou-se para sempre numa brilhante carreira universitária. Ai, que fim para o dia solene de ordenação, o dia luminoso de casamento e todos os sábados quando um povo afetuoso dependia dos lábios eloquentes do pregador! Se este ofício sagrado, se a manipulação constante das coisas divinas, se as horas de estudo gastas com a Palavra de Deus, se as cenas frequentes de morte com as suas mais terríveis e ponderadas solenidades, se a ruína irredimível na qual a degradação do ofício santo mergulha consigo um homem e a sua casa, se a hediondez indizível deste pecado naquele que mantinha o posto de sentinela e fora incumbido com o cuidado das almas — se estas coisas não nos fortalecem e nos cercam contra os excessos, então, em nome de Deus: "Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia" (1Co 10:12).

Ao deixar o pátio da igreja, onde ele viu espetáculo tão estranho e terrificante como um homem de mente culta, um homem de hábitos literários, um homem de posição honrada, um homem de carácter sacro, tudo sacrificar —a causa da religião, o pão da sua família, os interesses dos seus filhos, a felicidade da sus esposa, o seu carácter, a sua alma— tudo, por esta indulgência vil.

Ninguém, depois de prova tão terrível do poder e domínio deste vício tirânico se surpreenderá de nada que encontre nas nossas ruas. Contudo, se a alma de Paulo "se comovia em si mesma", emocionada até as profundezas mais recônditas quando viu a idolatria de Atenas, penso que aquele que pode andar deste castelo vizinho ao palácio mais distante sem gemer no espírito, deve ter um coração quase tão duro como o pavimento em que anda. A degradação da humanidade, a pobreza andrajosa, a miséria sórdida, a meninice sofredora, a infância definhada e agonizante, quanto isso obliterou todo o romance da cena e tornou a rua mais pitoresca da cristandade numa das mais dolorosas a ser percorrida. Eles chamam à rua em Jerusalém de Via Dolorosa, ao longo da qual a tradição diz que um Salvador sangrento carregou a cruz; eu penso que a nossa própria rua foi baptizada nos sofrimentos de um nome tão triste.

Com tantos indivíduos que têm no semblante a miséria estampada tão evidentemente como se tivessem sido marcados por ferro em brasa — a fome na cara desses olhos encovados, homens paralisados pela bebida, mulheres cobertas de bolhas e inchadas pela bebida; crianças tristes e pálidas que definham numa morte lenta com as cabeças cansadas deitadas tão deploravelmente no ombro de uma mulher meio desumanizada —esta pobre criancinha que nunca sorri, sem sapato ou meia nos pés ulcerados, tiritando, rastejando, mancando com a garrafa na mão emagrecida para comprar com alguns trocados uma bebida, pobre criatura faminta, que desejaria gastar num pão, mas que não ousa— a cena é como o rolo do profeta, "escrito por dentro e por fora; e nele se achavam escritas lamentações, e suspiros, e ais". Quanto nossos corações se apertaram ao ver um menino pobre e maltrapilho olhando cobiçosamente para dentro de uma janela a comida que ele não tem quem lha dê e não se atreve a tocar, para observá-la enquanto ele erguia alternadamente os pés desnudos para que, não se congelassem no pavimento gelado. Ele passa fome no da abundância. Negligenciado entre pessoas que teriam mais pena de um cavalo velho doente ou de um cachorro moribundo, ele é um pária na terra. Das multidões que passam sem reparar nele a caminho de casas confortáveis, absortos em negócios ou prazer, não há ninguém que o quer. Pobre miserável! Se ele conhecesse a Bíblia que ninguém o ensinou, com tanta determinação ele se plantaria diante de nós e nos barraria o caminho da igreja ou da reunião de oração, dizendo com olhos imploráveis e fixos em nós: «'A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai', é alimentar-me, é vestir estes membros desnudos, é encher estas bochechas vazias, é lançar a luz do conhecimento nesta alma escurecida, é salvar-me, é não ir à casa de Deus ou ao lugar de oração, sem primeiro vir comigo à nossa casa miserável, é visitar os órfãos e as viúvas nas suas tributações e guardar-se da corrupção do mundo"' (Tg 1:27).

Podes testar a verdade destas declarações. Tudo que tu tens de fazer é andar pelas ruas para comprová-las. Olha ali! Naquele cadáver vês o corpo morto e gelado de uma das melhores e mais religiosas mães que já tivemos o privilégio de conhecer. Ela teve um filho. Ele era o arrimo da sua viuvez — tão meigo, tão afectuoso, tão amoroso. Alguns são tirados antes do "mal por vir"; postos no colo da mãe terra, guardados debaixo da relva verde do sepulcro; não ouvem e não prestam atenção à tempestade que assola, em cima. Não foi feliz o seu destino. Ela viveu para ver a desgraça desse filho, e todas as promessas da sua mocidade destruídas e acabadas. Ele foi atraído pelo vício da intemperança. De joelhos, ela pleiteava com ele. De joelhos, ela orava por ele. Quão misteriosos são os caminhos da Providência! Ela não viveu para vê-lo mudado; e com tais espinhos no travesseiro, com esses punhais fincados por tal mão em seu coração, ela não podia viver. Ela afundou-se nesses pesares e morreu de coração partido. Nós a ele lhe contámos isso. Com lágrimas amargas e ardentes, ele admitiu-o e culpou-se pela morte da mãe — confessando-se o seu assassino. Esmagado pela tristeza e completamente só, ele foi ver o corpo. Sozinho, ao lado da mãe fria, morta e inacusável, ele ajoelhou-se e chorou o seu remorso terrível. Depois de um tempo, levantou-se.

Infelizmente —que desgraça de que uma garrafa de bebida tivesse sido deixado lá—, os seus olhos caíram no antigo tentador. Viste o ferro aproximar-se do íma. Chama-lhe feitiço, fascinação ou qualquer coisa ruim, demoníaca, mas assim como o ferro é atraído pelo íma, ou como um pássaro trémulo, fascinado pelos olhos ardentes e a pele brilhante da serpente, entra nas suas mandíbulas envenenadas e expandidas, assim ele foi atraído pela garrafa. Estranhando a demora, entraram no quarto —e agora na cama estão dois corpos— a mãe morta e o seu filho morto e bêbado. Que visão! Que espectáculo humilhante e horrível! E que mudança daqueles tempos felizes em que a noite abaixou as cortinas pacíficas em volta do mesmo filho e da sua mãe — ele, um doce bebé, dormindo, como anjo, em seus braços amorosos! "Quanto ficou opaco o ouro, o ouro mais fino mudou!"

Ou vê ali. A cama ao lado da qual tu em outras visitas conversaste e oraste com aquela que, na flor da mocidade, estava definhando-se num lento declínio — está vazia. Os vivos precisam dela; e assim a sua exausta e cansada locatária de longo tempo acha-se agora estirada na morte, em cima de dois baús inclementes ao lado da janela. E enquanto tu estás ao lado do corpo e o contemplas, naquela face iluminada por um transitório raio de Sol, vês, juntamente com rastros alongados de beleza não comum, a tranquilidade e a paz que foram o seu último fim. Mas neste tempo quente, abafado e de Verão, por que é que ela se encontra lá sem caixão? A bebida deixou-nos fazer esse último ofício pela morta. Seu pai —que indigno o nome de pai—, quando a filha pleiteou com ele pela sua alma, pleiteou com ele pela alma de sua mãe, pleiteou com ele pela alma da sua irmã pequena, tinha ficado ao lado do travesseiro agonizante para cruelmente condená-la. Ele deixou a pobre criança morta aos cuidados dos outros. Com o salário que retém para a bebida, ele recusa comprar a forma inanimada de um caixão e um sepulcro!

Mas que emoções os casos que vos contei, vos despertam? Ser igualado por muitos e ultrapassado por alguns em exemplos de repertório que eu poderia contar, que paixão podem, que paixão devem instigar, senão a indignação mais profunda? Nem eu, por mais que isso jorrasse impetuosamente, procuraria deter a inundação. Quanto mais profundamente flui, mais alto sobe, quanto mais forte se avoluma, tanto melhor. Eu não procuraria refreá-la, mas direcioná-la — direcioná-la não contra as vítimas, mas contra o vício.

Eu peço-te: não odeies o bêbedo; ele odeia-se. Não o menosprezes; ele não se pode rebaixar tanto na tua opinião como já está rebaixado na sua própria. O teu ódio e o teu desprezo podem prender a atenção, mas nunca lhe estraçalharás as correntes. Estende-lhe a mão amiga para arrancá-lo do lodo. Com mãos fortes, quebra essa poncheira — tira-lhe as tentações que, ainda que as odeie, ele não lhes pode resistir. Odeia, detesta, treme diante do pecado dele. E pelo amor da piedade, pelo amor de Deus, pelo amor de Cristo, pelo amor da humanidade, desperta-te à pergunta: "O que posso fazer?" Sem dares atenção aos outros, quer te sigam, quer não, corre até a praia, afasta o barco da praia, atira-te nele e rema com força, como um homem, para o naufrágio. Diz: "Eu não ficarei vendo os meus semelhantes morrem sem que eu nada faça. Eles estão morrendo. Farei qualquer coisa para salvá-los. De que luxo não me abandonarei? De que indulgência não me absterei? Que costumes, que algemas de velhos hábitos não quebrarei, para que estas mãos fiquem mais livres para arrancar o que se está afogando no fundo? Deus é a minha ajuda, a sua Palavra é a minha lei, o amor do Seu Filho é o meu motivo governante, nunca equilibrarei uma indulgência pobre e pessoal com o bem do meu país e o bem-estar da humanidade".

Irmãos, a altura deste mal exige tais resoluções, tais esforços sublimes, santos, contínuos e abnegados. Diante de Deus e dos homens, diante da Igreja e do mundo, eu impugno a intemperança. Eu acuso-a do assassinato de inumeráveis almas. Neste país, abençoado pela independência, pela fartura, pela Palavra de Deus e pelas liberdades da verdadeira religião, eu imputo-a como a causa —qualquer que seja a sua origem— de quase toda a pobreza, de quase todos os crimes, de quase toda a miséria, de quase toda a ignorância e de quase toda a irreligião que desgraça e aflige a terra. "Não deliro, ó potentíssimo Festo! Antes, digo palavras de verdade e de um são juízo" (At 26:25). Na minha opinião, creio que estes estimulantes intoxicantes afundaram na perdição mais homens c mulheres do que os que encontraram o sepulcro no Dilúvio que passou impetuosamente acima dos cimos mais altos e engolfou um mundo do qual somente oito pessoas foram salvas. Quando comparado a outros vícios, podemos dizer deste: "Saul feriu os seus milhares, porém David, os seus dez milhares" (1Sm 18:7).

Por fim, considere que cura devemos aplicar a esse mal. O principal e único remédio soberano para os males deste mundo é o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Eu creio nisso. Não há homem mais convencido disso do que eu. Mas ele antes dificulta do que ajuda a causa da religião, que fecha os olhos para o facto de que, na cura das almas como na cura dos corpos, muitas coisas são importantes como auxiliares para o remédio, os quais não podem ser considerados correctamente como remédios. No dia em que ressuscitou, Lázaro devia a sua vida a Cristo; mas os que naquele dia tiraram a pedra fizeram um bom serviço. Eles foram aliados e auxiliares. E para os tais na batalha que o Evangelho tem de empreender contra este vício monstruoso, permitam-me concluir este discurso direccionando a vossa atenção. E eu pondero: Em primeiro lugar: Que a legislatura pode prestar serviços essenciais a esta causa.

Esta é aliança entre a Igreja e o Estado com a qual ninguém pode disputar. Feliz do nosso país se por tal ajuda o Estado cumprisse para a Igreja —a mulher da profecia —esta visão apocalíptica: "E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar. E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a boca e tragou o rio que o dragão lançara da sua boca" (Ap 12:15,16).

Muitos indivíduos não sentem comiseração pelos sofrimentos da classe mais baixa. Eles não são desumanos, mas monopolizados pelos próprios interesses ou, muito elevados em posição social, ignoram as tentações e provações dessa gente. Portanto, falam ignorantemente sobre eles e raras vezes mais do que quando repudiam todos os esforços da legislatura mediante actos restritivos do Parlamento para enfraquecer, se não abolir, este mal. Eles têm os seus remédios. Uns pleiteiam por melhores alojamentos e medidas sanitárias, o que também consideramos altamente valioso. Outros põem a fé na educação — um agente cuja importância para a geração ascendente é impossível estimar. Alguns parecem não ter confiança em nada, a não ser na pregação do Evangelho. Eles contam com um ou outro desses ou a influência combinada de todos, para a cura da embriaguez, repudiando e protestando contra toda a interferência do legislativo. No entanto, gostaria tanto quanto eles de ver o estrato mais pobre do nosso povo muito elevado no gosto, com mentes tão instruídas e corações tão santificados de modo que resistissem às tentações que de todos os lados os atacam. Porém milhares, dezenas de milhares, são incapazes de fazê-lo. Eles têm de ser ajudados com muletas até que possam andar. Eles têm de ser cercados com toda protecção possível até que sejam "arraigados e fundados no amor de Deus". No campo, já vi muitas vezes uma criancinha, com o rosto bronzeado pelo Sol e madeixas douradas e compridas, doce como uma flor que ela pisou com o pé descalço, alegre como um passarinho que cantou do arbusto ou matagal, tangendo o gado para o curral. Com mão destemida, ela controla o líder mal-humorado do rebanho, pois com fronte armada e força colossal ele se intimida diante daquela imagem franzina de Deus. Alguns dias atrás, tive uma visão diferente — essa criança, com a cabeça pendente, sem música na voz, sem rubor na face, senão a da vergonha, levando para casa um pai bêbedo ao longo da rua pública. O homem precisava ser conduzido, guiado, defendido. E em condição dificilmente menos desesperadora, grandes massas de nosso povo afundaram-se. Nem preciso perguntar se eles bebem.

Olhe essas circunstâncias infelizes e dificílimas. Muitos deles nascem com a propensão para o vício. Eles o sugam com o leite materno, porque é fato bem comprovado que outras coisas são hereditárias, além de câncer, tuberculose e outras doenças. O pai bêbado transmite aos filhos a predisposição a esta indulgência fatal. A atmosfera poluída que muitos respiram, o trabalho duro pelo qual muitos ganham o pão, produzem uma prostração que busca nos estimulantes algo que revigore o sistema, e nada será excluído do uso por prospecto de perigo ou experiência de reacção correspondente. Com os nossos gostos melhorados, os nossos livros, as nossas recreações, os nossos confortos domésticos, não temos ideia adequada das tentações às quais os pobres são expostos e das quais é a mais verdadeira generosidade protegê-los. Eles têm frio e o copo é calor. Eles têm fome e a bebida é a sua comida. Eles são miseráveis e há riso no que flui do copo. Eles estão afundados na própria estima, e a poncheira ou a garrafa envolve o bêbedo com um halo luminoso e colorido de auto-respeito, e, contanto que as emanações estejam no cérebro, ele sente-se um homem. "Para que bebam, e se esqueçam da sua pobreza, e do seu trabalho não se lembrem mais" (Pv 31:7).

Retirar a tentação nem sempre cura o bêbedo. Mas certamente restringirá o crescimento da sua classe e impedirá que muitos outros aprendam o seu vício até que homens sanguinários possam nutrir a bendita esperança de que, como monstros da época anterior que agora jazem enterrados em pedras, os bêbados sejam numerados entre as raças extintas, classificados com as serpentes aladas e as bestas gigantescas que outrora eram os habitantes do nosso globo.

O assunto diante de nós foi eminentemente calculado para ilustrar a profunda observação de alguém que estava bem familiarizado com as tentações e circunstâncias dos pobres. Ele disse: "É de justiça, não de caridade, que os pobres mais precisam". E tudo o que pedimos é que vós lhes sejais tão gentis quanto sois para com os ricos; que vos precateis contra uma classe tão cuidadosamente quanto vos precatais contra outra das tentações peculiares à vossa sorte. Sinto em dizer —mas a verdade e os interesses daqueles que, por mais desgraçados e degradados, são os ossos dos nossos ossos e carne da nossa carne, exigem que eu diga— que isto não é feito. Os pobres, diz Amós, são vendidos por um par de sapatos, e conosco eles são vendidos para poupar a riqueza dos ricos. Sobre isso não faço acusação do que não estou preparado para provar. Por exemplo: certas medidas foram propostas no Parlamento com vistas a promover o conforto e a melhorar os hábitos morais das pessoas comuns. Admitiu-se que para tais pessoas, introduzindo vinho fraco francês e do Reno em vez de aguardentes e bebidas alcoólicas fortemente intoxicantes, seriam atendidas com resultados mais felizes e desejáveis. Contudo, estas medidas foram rejeitadas porque a sua adopção, ainda que salvasse as pessoas, prejudicaria a renda. Como se não houvesse bastante dinheiro nos bolsos dos ricos por meio de outros impostos para saldar as dívidas da nação e sustentar a honra da Coroa. Que diferença o tom da moral, mesmo na China! Os ministros daquele país provaram ao soberano que ele evitaria todo o perigo de guerra com a Inglaterra, além de aumentar imensamente a renda, se consentisse em legalizar o comércio do ópio. Ele recusou, recusou firmemente, recusou nobremente. E foi um dia glorioso para a Inglaterra, dia feliz para dez mil casas miseráveis — um dia para fogueiras, saudações de canhões, sinos festivos, procissões com bandeiras e acções de graças santas, que viu a nossa amada rainha levantar-se do trono e no nome desta grande nação fazer na Câmara dos Lordes e Comuns o discurso memorável em favor daquele monarca pagão: "Eu nunca consentirei em elevar a minha renda com a ruína e o vício de meu povo". Que Deus sature a nossa terra com tal espírito! "Vem, Senhor Jesus. Vem depressa".

Em segundo lugar: Que o exemplo de se abster de todos os licores intoxicantes grandemente ajudaria na cura deste mal.

Nenhum princípio está mais claramente revelado na Palavra de Deus e nenhum posto em acção torna o homem mais semelhante a Cristo do que a abnegação. "Se o manjar escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize" (1Co 8:13). Este é o princípio da temperança, como o advogo. Não concordo com aqueles que, na sua ânsia pelo bem, tentam provar muito e condenam como positivamente pecador o uso moderado de estimulantes. Mas ainda menos simpatia tenho por aqueles que ousam chamar a Jesus Cristo para dar o Seu semblante santo às suas luxuosas mesas. É chocante ouvir os homens tentarem provar pela Palavra de Deus a permissividade de tal vício — encher a taça de vinho e esvaziar o copo.

Eu era capaz de usar sem abuso. Mas vendo a que abusos monstruosos a coisa tinha crescido, vendo a que multiplicidade de casos o uso foi seguido pelo abuso e vendo como o exemplo das classes altas, a prática dos ministros e o hábito dos membros da igreja foram usados para proteger e sancionar indulgências tão frequentemente carregadas de excesso, percebi que este é caso para a advertência do apóstolo Paulo: "Mas vede que essa liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos" (1Co 8:9).

Nesta revolução moral nos nossos hábitos nacionais, nesta maior de todas as reformas, todos se podem engajar. Mulheres e crianças, como também homens, podem tomar parte para que sigamos em direcção à meta. E atingível, se tão-somente tentarmos. É promissora, se apenas dermos ao assunto a justa consideração. Por que o poder do Cristianismo, mediante os seus argumentos poderosos do amor e da negação do "eu", não levaria ao desuso de estimulantes intoxicantes, e assim alcançaria o que o islamismo e o hinduísmo alcançaram? A cruz tem de empalidecer diante do Crescente Fértil? (símbolo do Islão) A religião divina de Jesus, com esse Deus-Homem no madeiro por insígnia invencível, envergonha-se diante de tais rivais e acha-se incapaz de realizar o que as falsas crenças fizeram? Não nos digam que não pode ser feito. Pode ser sim. Foi feito — feito pelos inimigos da cruz de Cristo, feito pelos seguidores de um impostor, feito por adoradores da madeira e da pedra. "A sua rocha não é como a nossa Rocha" (Dt 32.31). Se é verdade, e não pode ser contradito, eu com certeza exijo de todo o homem que tenha fé em Deus e ame a Jesus, e que está disposto a viver pelo benefício da humanidade, que reflicta sincera, plena e devotamente sobre este assunto. Mas, qualquer que seja o meio, quaisquer que sejam as armas que tu julgues melhor empregar, quando as trombetas estão retumbando em Sião e o alarme está soando e ecoando no monte santo de Deus, vem, vem ajudar o Senhor contra o poderoso, junta-te ao padrão, lança-te ao grosso da batalha e morre em actividade lutando pela causa de Jesus. Assim, "para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho." (Fl 1:21)

O sermão selecionado para este volume. "Os Pecados e as Tristezas da Cidade", na sua nobre introdução revela o primoroso dom da descrição de Guthrie. O sermão ainda é terrivelmente apropriado para a Escócia (se fosse só para a Escócia! Para toda a Humanidade…) dos nossos dias.

In "Great Sermons of the World" Hendrickson Publishers, Peabody, Massachussetts, EUA, 1997

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Carlos António da Rocha

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